Para quem não estava
acompanhando o caso...
No dia 06 de fevereiro, num ato heroico, jovens que subiram
nas árvores em frente ao Gasômetro e paralisaram uma derrubada de árvores
promovida pela prefeitura de Porto Alegre. Na tarde seguinte, com a máxima
indignação, pessoas se reuniram na Praça Júlio Mesquita para protestar contra o
acontecido. A manifestação tomou o rumo de um bloqueio da Avenida Edvaldo
Pereira Paiva com os galhos e os troncos cortados. O sentimento de pesar era
coletivo.
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foto de César Cardia |
Parecia que os presentes estavam expondo corpos sangrando no meio da
avenida (analogia de uma moradora). Com os galhos decepados manifestantes
marcharam até às portas da prefeitura para depositar os galhos num sinal inequívoco
de protesto.
Os ruídos da manifestação ecoaram pela cidade. Para não
agravar mais situação, a COSMAN - Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Câmara
Municipal, marcou às pressas uma reunião para o dia 14 de fevereiro, onde a
prefeitura comprometia-se a dar as devidas explicações. O povo lotou o auditório
“Ana Terra” e não gostou do que ouviu. Os membros do executivo municipal num
puro exercício de tecnocracia, considerando o meio ambiente e a vida das
pessoas peças secundárias de um projeto viário. Deste encontro surgiram dois
encaminhamentos: uma reunião técnica para apresentação de alternativas e uma
audiência pública na câmara.
Além dos encaminhamentos, a Promotoria Estadual do Meio Ambiente,
atendendo prontamente aos reclames da população, marcou para o dia 19.02.2013,
às 11:30 min, um encontro com técnicos e
comunidade para coletar dados para instauração de um inquérito sobre o corte
das árvores e possíveis arbitrariedades cometidas contra o meio ambiente. Segue
abaixo algumas considerações coletadas durante este encontro no auditório do
ministério Público:
1. As considerações do
MP
Os digníssimos representantes do MP, organizadores do
encontro, se surpreenderam com o panfleto que anunciava aquela reunião e o numeroso
público que compareceu na sede do MP. Haviam reservado uma sala para reunião,
que devido à superlotação e a boa vontade dos promotores de justiça foi
substituída pelo auditório.
Já no auditório, os agentes do MP, esclareceram que a
reunião não era uma audiência em sentido formal. Numa audiência há
necessariamente um protocolo a ser cumprido (convocações, editais, tomada de
depoimentos). Os promotores de justiça estavam ali para coletar dados técnicos
sobre a obra e as consequências que o alargamento da via causariam. Em
especial, os efeitos impactantes da obra sobre a vizinhança e cidade como um
todo. Tudo objetivando a correta aplicação das leis protetoras do ambiente
natural. Deixando claro que não debateriam o projeto.
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à esquerda os Promotores Alexandre Salts e Fábio Sbardellotto |
Também foi dito, que a discussão pública era necessária para
investigação dos fatos com a transparência e seriedade que o assunto merecia. Assim,
o MP teria condições de firmar posição sobre a necessidade e conveniência da
obra, a mitigação de seus efeitos e as compensações ambientais pelos danos
causados, de acordo com os mandamentos da lei.
O MP ressaltou que a insatisfação da comunidade, sob o ponto
de vista da lei, não era suficiente para apontar a ilegalidade da obra. Assim como, a obra poderia estar amparada no
poder discricionário do chefe do executivo municipal.
“Entenda-se como poder discricionário, o poder concedido ao agente
público de praticar atos, dentro dos limites da lei, tendo como fundamento os
critérios da oportunidade e conveniência vislumbrados pelo agente”.
Os promotores de justiça afirmaram que ainda não podiam
adiantar seu posicionamento em razão de desconhecer a integralidade do projeto
viário. Estavam conhecendo os primeiros detalhes técnicos naquela reunião. Para
ampliar o horizonte solicitaram aos representantes da prefeitura, cópia
integral do projeto para estudos e conclusões finais.
No final da reunião, ficou acertado que o MP disponibilizaria
a cópia do projeto para apreciação de toda comunidade como forma de dar transparência
e possibilitar, em termos técnicos, o avanço das discussões sobre a
conveniência e legalidade do projeto viário.
2. Os técnicos da
Prefeitura
Arquiteta urbanista da EPTC, funcionária
do município, fez a defesa da obra com base em dados eminentemente técnicos
relacionados ao fluxo de veículos, desprezando a população fixa do entorno e
grande número de frequentadores do Gasômetro. Não foram apresentados dados
quaisquer sobre pedestres, como se eles não fizessem parte do sistema de
trânsito da capital. Citou um conjunto medidas que equilibrariam a mobilidade
no centro da cidade; como se fosse possível aumentar ainda mais a circulação de
veículos na zona central.
Todo morador de Porto Alegre sabe que devido à natureza
geográfica limitada do centro da cidade, a melhora da mobilidade naquela região
está intimamente ligada ao oferecimento de alternativas de transporte coletivo
de qualidade e o desestímulo ao transporte individual. Como fazem atualmente as
cidades europeias, que viram que as obras viárias não eram capazes de resolver
o problema da circulação de veículos nas zonas centrais. Por este raciocínio, o
corte de árvores e as obras consequentes são injustificáveis como fatores
indispensáveis para as melhorias de mobilidade no centro da capital gaúcha.
Quanto à possibilidade de unificação das praças Júlio Mesquita,
Brigadeiro Sampaio e Esplanada do Gasômetro com a construção de um túnel, a
arquiteta fundamentou a negativa desta modalidade de obra alternativa em razão
do aumento de custos e riscos de enchentes.
Relativo às enchentes solução é contornável, haja vistos os
avanços da engenharia que atualmente é capaz de construir um túnel sob o mar
ligando dois continentes. Já no quesito custos, estes somente são relevados
quando o chefe do executivo resolve contratar arquiteto sem concurso público para
revitalizar a orla, num local onde a vida resplandece; ou ainda para torrar o
erário público com campanhas publicitárias para autopromoção.
O biólogo da SMAM respondeu insatisfatoriamente aos questionamentos
do MP, moradores e ambientalistas. Ao justificar o corte, declarando serem as “tipuanas tipu” árvores exóticas e
invasoras, demonstrou a maior ignorância por que esta espécie de árvores é
típica do chamado cone sul americano. Logo, sua afirmação é falsa. Será ele
pensa o Brasil não faz parte do cone sul? Esta “barbeiragem” teria sido
proposital?
Perguntado se houve estudos de biodiversidade antes do
corte, limitou-se a citar a listagem de espécies vegetais, como se isso fosse
um estudo de biodiversidade. Não sabemos se esta manifestação de desinteligência
também foi proposital. O fato é que todos os moradores sabiam que havia
pássaros, aves de médio porte, mamíferos voadores (quirópteros-morcegos),
marsupiais (gambás), além de uma gama de insetos que habitavam ou visitavam aquelas
árvores, mesmo durante o tumulto diário protagonizado pelo trânsito de
veículos. Muitos destes animais morreram
durante a queda das árvores, ocasionando nos dias seguintes a putrefação dos
corpos com a exalação do odor característico.
Nas árvores derrubadas havia nidificação, sendo imperiosa a
desocupação dos ninhos antes corte. O corte deveria iniciar de cima para baixo
e sob a supervisão de um responsável técnico. De acordo com testemunhas nenhuma
destas providências técnicas, que também são legais, foram seguidas pelos
agentes da prefeitura que realizaram o corte.
Logo, o abate das árvores se deu sob a mais franca ilegalidade.
Outro descompasso técnico do biólogo da SMAM foi o deixar de
fazer qualquer observação sobre a compensação de drenagem pela supressão de
vegetais de grande porte. Esta modalidade de compensação somente é possível
mediante projeto específico, assim como devem ser os projetos de paisagismo e
de arborização do trecho.
Registrem-se as primeiras declarações veiculadas na imprensa
do Secretário do meio-ambiente “Záchia” sobre os protestos contra
massacre das árvores no Gasômetro:
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Záchia usou de factoides |
- Isso é coisa de meia dúzia e eu respeito a opinião de todos!
Com auditório lotado os procuradores Promotores de Justiça de Defesa do Meio
Ambiente Alexandre Saltz e de Habitação e Defesa da Ordem Urbanista Fábio
Sbarbellotto, perceberam que as primeiras declarações do secretário não
passaram de factoides, a estratégia mais utilizada pela classe política
brasileira para desviar opinião pública da triste realidade dos fatos.
3. As palavras do povo
Os primeiros protestos foram em
relação à falta de apresentação de estudos com alternativas técnicas para obra
(trincheira, viadutos, etc.), uma exigência do artigo 5º, da Resolução do
CONAMA nº 001. Outra queixa foi quanto não disponibilização do projeto à
população destinatária final da obra para discussão e possíveis adaptações.
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Augusto Carneiro é Saudado por César Cardia |
Em seguida foi lembrada a consagração do local onde houve o
corte de árvores, no Plano Diretor, como área do Parque do Gasômetro, que se
configuraria a partir da união das praças Júlio Mesquita, Brigadeiro Sampaio e
Esplanada da Usina. Esta diretriz havia sido aprovada por unanimidade na Câmara
dos vereadores, sendo que o trâmite ocorreu entre os anos 2008 e 2009, durante
a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre. Tal fato,
na época contou com o efetivo aval político do atual prefeito. O apoio de
Fortunati ao Parque do Gasômetro teria sido uma manobra de pura demagogia?
A comunidade apontou no projeto de alteração viária fragilidades como a falta de enfrentamento das questões ambientais
(imperfeições no licenciamento), de consulta ao Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano – CMDUA, COSMAN e da falsa alegação de que a obra teria
passado pelo crivo do orçamento participativo. Além, de questões técnicas como
a falta de projeto paisagístico assinado por arquiteto paisagista, uma
exigência legal, conforme lembrou o arquiteto e urbanista Ibirá Lucas. Segundo
o arquiteto, a mera especificação de árvores não pode ser entendida como
projeto paisagístico, este possui uma sistemática própria.
Eduíno de Mattos, afirmou que o projeto viário ia contra o
Plano Global de Parques e Ambiência Cultural, uma diretriz traçada por lei
municipal, e que as árvores cortadas foram plantadas quando do tombamento da
Usina. Logo, eram partes integrantes do conjunto urbanístico.
A melhora da segurança e circulação de veículos apontada
como causas para o projeto viário tecnicamente não se justificam. A segurança
fica prejudicada para os pedestres, que terão de enfrentar seis pistas de
rolagem com a velocidade média dos veículos aumentada, em vez das quatro pistas
existentes. Os semáforos ficarão ligados mais tempo para a travessia segura dos
pedestres, anulando o ganho de tempo hipoteticamente sugerido com o alargamento
da pista. A obra não considera a existência dos milhares de pedestres que frequentam
a orla do Gasômetro diariamente. Sob este prisma, a obra seria conveniente para
a segurança dos pedestres?
A mitigação dos efeitos do corte daquelas árvores
consolidadas com o plantio de novas mudas fica impossibilitada, por que o
simples plantio não será capaz diminuir os efeitos causados pelos gases e partículas
que se espalharão pelo centro histórico. Atualmente uma verdadeira muralha verde
absorve gases, micro partículas de asfalto e pneus liberados pelo tráfego,
protege o centro contra os ventos excessivos do inverno, diminui a temperatura
nas estações mais quentes e ajudam na drenagem do solo.
Embora, algumas colocações não estivessem dentro dos
parâmetros técnicos exigidos pelos promotores do meio ambiente, a importância
das mesmas não pode ser diminuída, pois dizem respeito ao desprezo das
autoridades pelo patrimônio afetivo do porto-alegrense (ruas arborizadas,
praças, parques, centro culturais). Assim
como, expressam o desejo da comunidade de ser realmente ouvida pelo poder
público.
Indignada a população expressou seu amor pelas árvores, dizendo
que a população utilizava as árvores muito mais do que poderia supor o
positivismo de alguns dos ilustres presentes. E mesmo sendo as árvores taxadas de exóticas e invasoras pelos técnicos, a cor da seiva das árvores tombadas era
a mesma do sangue que corria nas veias do porto-alegrense.
O desabafo de uma moradora: - As árvores sangraram
e nós também!
Os moradores apregoaram a falta de sensibilidade da
prefeitura e uso puro da tecnocracia sobre os interesses da sociedade. Por que acreditam
que não se trata apenas de modificação numa estrutura viária, a obra influenciará
negativamente a vida de milhares de pessoas que escolheram o centro da cidade
para morar.
Alguns se declararam usuários de árvores, outros se
manifestaram no sentido de que mesmo havendo a tal discricionariedade, esta deveria
pautar-se pela racionalidade. O certo é que uma imensa parcela de porto-alegrenses
se sentiu agredida com a derrubada das árvores e a possibilidade de ver outras
tantas irem ao chão. As árvores pela sua beleza e importância ambiental fazem
parte do patrimônio afetivo do porto-alegrense, tanto quanto o famoso pôr do
sol nas águas do Guaíba.
(*) fotos Leonel Braz
Compareçam
na Audiência Pública, para debater a ampliação da Av. Edvaldo Pereira Paiva, a
realizar-se às 19 horas do dia 18 de março de 2013, no Plenário Otávio Rocha da
Câmara Municipal de Porto Alegre, na Av. Loureiro da Silva, nº 255 nesta
Capital.